Entre quais eu sou???

Assim como Clarice Lispector fez em A paixão segundo G.H, aqui não se busca responder quem sou, mas entre quais eu sou? Uma pergunta que envolve o sentido de nossa existência, que não é somente individual, mas que está baseado (e até determinado) na posição que ocupamos no mundo (classe, gênero, cor, em relação ao outro...), sobre o lugar da arte (é possível separar arte e vida?), o lugar que o Brasil ocupa no concerto das nações e sobre a questão do evangelho da graça x obras. Aqui há um espaço aberto para essas discussões! Leia, reflita e participe!



terça-feira, 12 de agosto de 2008

uma tentiva de fazer um conto clariciano

(In)significação

- E o beijo?

Um beijo é só um beijo.

É possível sentir algo mais ouvindo uma música. De fato saímos da realidade, somos arrebatados, subsumidos, nirvanizaniados? É possível sentir mais lendo um romance. É possível sentir mais e mais sentindo o mar... ouvindo música, lendo romance, sentindo mar, ouvindo um romance, lendo um mar, sentindo uma música, ouvindo o mar, lendo a música, sentindo o romance. Ou é possível sentir menos do que já se sentia? Até desaparecer. Menos, menos. Sem dúvida saímos da realidade ou quase. Quase.

Então devo sair da realidade? Inventar outra? Esquecer que se é bicho... Ou lembrar que se é bicho? Ou o problema é o fruir? Como fruir? Já que sou obrigada.

Um beijo romanceado é muito mais beijo. Mas só que ele não é beijo, é outra coisa. É um não palpável, é um não cheiro... Mas com muitas imagens, sensações e gostos. Porque o beijo mesmo tem gosto de beijo.

Sem sininhos, sem trilhas sonoras, sem imagens bonitas...

O beijo vem do latim basium, é o toque dos lábios com qualquer coisa, normalmente uma pessoa. Neste caso, o beijo na boca. Será um ato fisiológico, como dormir, comer, urinar? Quase. É um ato selvagem? Quase. Não é natural, porque há regras para beijar, há sentido no beijar, há civilização no beijar. Se bem que já há regras para tudo. Há pecados para tudo... Mas ainda é natural pela preparação automática do corpo para a coabitação, cruzamento, sexo, ou, sendo mais civilizada, fazer amor, 'fazer amor'... seja lá o que isso 'significa'.

O beijo é a assinatura. É a consumação ou a iniciação. É a certidão, o recibo. Prova de 'amor'? Freqüentemente. Prova de 'infidelidade'? Certamente.

Beijo é quase uma lembrança de alguma coisa, é quase uma tentativa de fugir, é quase um retorno... É mais, muito mais por ser menos, muito menos. E sacia alguma coisa. Beijo tem gosto de natureza. Beijo tem gosto do ser.

O beijo, com tanto peso da natureza, religião e sociedade, é uma marca, real e ilusória, mas uma marca, que não muda a vida.

Um beijo é só um beijo.

- Foi lindo! Aliás, toda a viagem foi linda. Tanto passeio incrível! Tanto lugar histórico para visitar. As praias... amo praias! Eu me perco naquela imensidão... E ele tão carinhoso, tão atencioso. Acho que ele gosta de mim... Até crise de ciúmes teve! Eu tinha conhecido um rapaz charmosinho dos arredores da cidade. Muito educado e bonito também. E ele não gostou. Mas a minha história mesmo foi com ele. Desde o começo já sentia o ar tenso... Contei que ele é comprometido? Mas, enfim, guardo de lembrança a seguinte imagem: um olhar brilhante como de coruja em noite chuvosa e lábios tão quentes... Quentes como o sol no deserto! Nunca vi uma pessoa arder tanto. E ele tinha chorado antes... Então eu o beijei e ele aceitou, e assim foi. Como nos filmes.

M.P.


Um comentário:

Lorena disse...

Continho Clariciano.....

Acredito que este merece uma continuação....